sábado, 10 de novembro de 2007


AS LAVADEIRAS
(Gracinda Calado)

No tempo em que eu ainda era criança, apreciava as lavadeiras que iam todos os dias lavar roupas no rio.
A nossa casa ficava às margens do rio Pacoti, em uma grande chácara.
Em frente a casa havia uma grande ladeira que dava acesso a um bairro, chamado “ Boa vista”, lá moravam muitas lavadeiras.
Essas mulheres sobreviviam das lavagens das roupas das famílias abastadas da cidade.
Todas as manhãs, quando o sol despontava as lavadeiras desciam a ladeira com suas trouxas de roupa para lavar no rio que se chamava “rio das lajes”, afluente do Pacoti, pois era coberto de pedras enormes. No verão o rio secava e as lavadeiras sofriam muito com a escassez da água.
Enquanto elas lavavam aquela roupa toda, eu ficava horas perdidas, olhando dona Rute e dona Rosa na lavagem da roupa branca.
Queria saber o que elas faziam para deixar aquela roupa branquinha e cheirosa.
Quando estavam cansadas costumavam cantar algumas músicas, não me recordo bem as letras.
O local era propício para estender roupa, nas pedras, que elas chamavam de “coradouro.”
Duas ou três vezes durante o tempo do coradouro, elas vinham aguar a roupa para não queimar ao sol. Quanto mais quente o sol, melhor para a roupa ficar branca.
Muitas vezes não comiam nada, até que terminasse o serviço.
Finalmente às quatro da tarde elas passavam em frente a nossa chácara, subiam a ladeira com toda aquela roupa na cabeça, amarrada como uma trouxa, de volta pra casa.
O cheiro de roupa limpa, lavada com sabão a gente sentia de longe. Não usavam alvejantes, nem amaciantes, nem anil.
Outras estendiam suas roupas em uma cerca de arame, para secar mais depressa, com a ajuda do vento e do sol; voltavam para casa mais cedo.
Suas mãos eram calejadas, suas peles eram queimadas, quase tostadas. Seus cabelos ressequidos. Assim mesmo todos os dias as pedras do rio estavam cheias de lavadeiras.
No dia seguinte ao da lavagem, ficavam em casa para com ferro passar toda trouxa, que lavaram no dia anterior. À noite subiam as ladeiras da cidade para chegar ao centro e entregá-las aos fregueses certos: do doutor, do prefeito, do juiz, do vigário, do promotor.
Quanta determinação naquele trabalho, tanto amor, tanta dedicação!
Até hoje não esqueço dona Rute e dona Rosa. Elas eram brancas e loiras, seus lábios sempre rachados da quentura do sol.Viviam da lavagem e do engomado.
Muitas vezes, eu e meu pai, ficávamos no alto das pedras no sítio, olhando aquele ritual diário das lavadeiras.Passavam em procissão, parecia uma penitencia diária.
Quando era safra das frutas, levávamos cestos cheios de fruta para elas, ficavam agradecidas.
Mantive por muito tempo um sentimento de amor e respeito muito grandes por todas elas. Não sei se dona Rute e dona Rosa ainda estão vivas...Talvez bem velhinhas...
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